por CYRO SAADEH*
Tem coisas que não dá para guardar com a gente. Embora não goste de escrever sobre política em espaço público, como este jornal, há coisas que devem ser colocadas à disposição da população brasileira. Alguns corajosos fizeram isso e já morreram. Outros continuam vivos e insistem no assunto. Mas vamos abrir um parênteses para depois retomarmos o fio da meada.
Hoje o Brasil é um país que se inseriu no contexto da globalização. Vivemos as glórias e as tristezas decorrentes disso. Os Estados Unidos estão doentes e o vírus econômico assombra praticamente todos os países do globo, exceto a Coréia do Norte e uma ou outra Nação que não dependa do comércio internacional ou do turismo.
Mas, quando o Brasil começou a tornar-se dependente? Com a vitória dos aliados contra a Alemanha, Itália e Japão, propagandeou-se a democracia dos Estados Unidos como modelo ao mundo. Com isso o Getúlio Vargas foi compelido a deixar o cargo em prol de um presidente eleito democraticamente. O seu sucessor, Marechal Dutra, embora fosse conservador, ainda na década de 40, iniciou a abertura do Brasil às empresas européias e estadunidenses.
Mas em 51 Getúlio voltou como presidente eleito com uma votação esmagadora. O seu projeto era de desenvolvimento das indústrias nacionais, voltadas aos interesses internos. A carta-testamento é um documento anti-imperialista que nos mostra onde erramos. Não podendo confrontar as forças reacionárias, Getúlio, através do suicídio, evita o golpe arquitetado pela UDN entreguista.
Juscelino toma posse e o entreguismo vira modelo nacional. Multinacionais invadem o Brasil, um país com grande massa trabalhadora e consumidora e com potencial de crescimento. Logo depois Jânio Quadros assume para renunciar logo em seguida. Com isso, Jango, João Goulart, deveria tomar posse. Uma ala militar e a UDN o taxam de comunista, relembrando o aumento de 100% do salário mínimo enquanto Jango era Ministro do Trabalho de Getúlio. Brizola, o velho guerreiro político, monta a cadeia da legalidade pelo rádio e consegue barrar, com o apoio do Exército do Rio Grande do Sul, o golpe que estava em curso. João Goulart tomou posse, mas teve que aceitar o parlamentarismo. Posteriormente, através de um plebiscito, o presidencialismo voltou e Jango passou a ter poderes normais. No entanto, confrontava-se com a imprensa udenista, com a classe média insatisfeita com os resultados econômicos e só via uma maneira de sustentabilidade: o apoio dos trabalhadores e líderes sindicais. Nacionalista e progressista, pugnou pela reforma agrária, pela limitação de remessa dos lucros, pela política de não intervenção em assuntos internos dos países, incluindo Cuba, e investiu na educação. 64 foi a ruptura disso. O entreguismo voltou com força total e os interesses estadunidenses nunca foram tão rapidamente atendidos como nessa época de tristes lembranças.
Mas fechemos os parênteses.
Os Estados Unidos queriam barrar de vez a política social-democrata de Jango e do PTB. Por isso investiram às escondidas - e comprovadamente - no Cebrap, do Departamento de Sociologia da USP, que por sua vez tentou modernizar o discurso da necessidade de dependência internacional. Parecia que voltavamos ao período colonial. Alguns desses sociólogos alcançaram os poderes em organizações civis e no Estado. Ao mesmo tempo, surgia um líder sindical criado no regime ditatorial e em indústria estrangeira, com visão muito diferente do sindicalista de 1960.
A visão política de Vargas foi praticamente apagada e o Brasil rendeu-se às enormes multinacionais, à estonteante propaganda cultural estadunidense e ao chique "modus vivendi" não mais francês, mas "americano".
Mas a visão de Getúlio ainda sobrevive. Getúlio Vargas leu Os Sertões de Euclydes da Cunha e entendeu que o que dividia o Brasil era o fato de termos uma parte voltada ao exterior, com seus hábitos e modismos, e outra voltada às raízes nacionais. O estadista Getúlio preferiu unir esses dois Brasis, preservando os valores culturais próprios de cada região. Já os políticos seguintes, com exceção a Jango, primaram pelo o que consideravam modernização, que mistura entreguismo com globalização.
A mídia nacional, com raras exceções, apóia esse modelo entreguista, pois quem lucra com isso não é a população, mas o empresário covarde que prefere vender parte de suas empresas, ou ela inteira, a grandes grupos estrangeiros.
Esse é o Brasil de hoje, fruto de um entreguismo golpista de mais de meio século.
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* jornalista