por CYRO SAADEH*
Certa vez, sob uma garoa gélida, caminhando rapidamente em uma rua estreita, vi um mendigo encolhido e escondido sob a proteção de um pequeno telhado externo de uma casa. O olhei com pena e de imediato o cumprimentei. Ele, ao contrário, apenas olhou fixamente, como se tentasse decifrar facilmente o meu ser através da leitura de minha alma.
Aquilo não chegou a me assustar. Apenas me fez refletir sobre a sabedoria que essas pessoas que julgamos coitadas escondem. Não são coitados. São corajosos. Coitados somos nós, que vivemos sob o manto do conforto e do luxo que nos afasta da reflexão verdadeira. Os seres que julgamos coitados por serem sem teto ousaram abandonar o conforto em busca de um eu verdadeiro, escondido sob as vestes do imaterial. São filósofos autênticos e desconhecidos, que observam os comportamentos alheios e a vida, sob uma reflexão ímpar. Eles, e quase que só eles, são capazes de ver o mundo sob outro ângulo e outra ótica e manter contato mais próximo com o mundo que nos rodeia; nós, ao contrário, optamos por nos esconder atrás das muralhas de proteção que criamos.
Depois dessa breve reflexão, passei a olhar aqueles seres que julgava diferentes e estranhos como pessoas sublimes, não porque optaram pela pobreza, mas porque almejaram, com a escolha do desprendimento, por uma vida mais verdadeira, com menos amarras e mais verdades. Eles conseguiram com essa decisão tão simples, mas tão difícil, estar mais próximos daquilo que julgamos um dos ideais da humanidade: a liberdade autêntica.
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* escritor